(Re)volta

São três da manhã. Regressei há pouco a casa, após aquilo que foi senão mais duas semanas fora. Este ano bato o record e entro para o Guinness debaixo da categoria de 'vadia'. Com escapadelas (algumas extensas, outras 'de médico') em Março, Junho, Agosto e Setembro - Novembro e Dezembro também já agendados -, passei quase dois meses numa de turista intercontinental. Devo ter uma costela nómada. Ou duas.

  Estou há horas numa batalha por umas míseras quatro horas de sono (agora reduzidas a duas e meia, se por milagre desfalecesse de imediato) e não pude evitar esta conclusão: o problema de se passar tanto tempo a viver noutras casas é que quando finalmente voltamos à nossa estranhamos tudo. Estranho a cama pela qual tanto ansiei aquando das noites em sacos cama. A almofada, que, quer no hotel ou na casa da amiga ou na dos pais da amiga ou da tia avó em quinquagésimo grau, nunca era rija, alta, mole ou baixa o suficiente - ei-la! Também magoa o pescoço. O tão desejado conforto de poder pôr as coisas a meu jeito...outro engano. Esta casa também não é minha. Ainda não é esta a minha.

  Não consigo deixar de me perguntar se será este o sabor de não pertencer a lado algum. De ser uma cidadã do mundo que simultaneamente em segredo deseja uma cidadania assumida e certa. De não gostar de estar aqui mas ainda assim sentir saudade quando estou distante. Saudade de algo que na verdade não existe. Não estar bem aqui nem ali. Querer tudo e nada. Precisar de um espaço a que possa chamar meu e lar. Um que saiba a conforto e cheire a casa.
Por agora estas quatro paredes terão que servir. Talvez amanhã já não as estranhe tanto. Talvez...

Impulso


Escreve
Escreve porque te apetece e não por apetecer a outros
Escreve por necessidade e não por obrigação
O quê?
O que te vier à mente; o que sentes; não penses muito
Deixa fluir...
Uma-a-uma, gota-a-gota...
Escreve para inspirar, não quando estás sob inspiração
Escreve por impulso; não releias; não páres; segue, segue, segue...
Deixa-te embalar pela reconfortante ondulação das palavras
Suave e intensamente
Lenta e bruscamente
Com dedicação, com entrega completa...
Escreve e logo se vê!

Não Hoje


Não fecho os olhos
Não fecho os olhos porque fechar os olhos é ter paz, é estar descontraído o suficiente ao ponto de não ter que estar de guarda, em sentido.
Não fecho os olhos porque hoje não posso.
Porque busco a resposta, a solução.
Porque hoje não estou descansada, porque hoje não conheço a paz.
Gostava de puder fechar, mas não hoje. Hoje sou guardiã do vazio.
Posso mantê-los vidrados, na direcção do Nada: mas estão abertos.
Deixo-os atentos e treinados à espera de algo: mau - para o afugentar; bom - para o receber.
Só à espera...combatendo a surpresa, a admiração, a expectativa, o inesperado.
Hoje não fecho os olhos; não hoje...

Quero


Quero que se esqueçam de mim
e não perguntem onde ando nem quando vou chegar,
que façam de mim refém num assalto à mão armada.
Quero percorrer o mundo,
esquecer-me do caminho para casa.
Encalhar num momento,
ficar presa no trânsito ou no elevador.
Quero ser raptada, desaparecer subitamente.
Encurralar-me num labirinto e não encontrar a saída.
Perder-me...

Manhã


A manhã nasce
deixando no ar uma certa leveza.
Ao longe vê-se a luz,
subindo cada vez mais...
Secando aos poucos
as gotas de orvalho;
Cumprimentando com um beijo
todos os presentes;
Enchendo de frescura o mundo;
Deixando para trás
as memórias da noite passada:
É um novo dia,
um novo começo...

Poesia no Tejo

Ser poeta é ser louco
É ser incompreendido.
É passar vergonha
E sentir oprimido.
É ver além do óbvio,
É pessoal...
É ouvir o que não se ouve,
Sentir o que não se sente,
Ser o impensável...
Mas que para o poeta
É o inevitável.
Ser poeta é ser...
Simplesmente deixar ser.
Sem oprimir a verdadeira
Natureza do ser.
É deixar acontecer,
Sem o outro temer

Neste Canto Escondido

Observo o mundo,
deste canto escondido
Olho-o a fundo,
com este olhar perdido
Analiso quem sou,
o que tenho sofrido,
de onde venho e para onde vou,
neste canto escondido...
Lamento, lamento e lamento
Angustiada no meu canto escondido;
Farta de tanto sofrimento
e do que tenho vivido...
É neste canto escondido,
outrora lembrado
mas agora esquecido,
que eu me resguardo.
Escondendo-me,
num canto escondido
Esquecendo-me
do ocorrido...

Rostos


Caminho.
Numa avenida sobrelotada, rodeada de rostos desconhecidos, caminho.
Os olhares cruzam-se...
E por momentos, naquele "olhos-nos-olhos", criamos uma ligação.
Vimos de lugares distintos, com propósitos distintos
Culturas e educações que em nada se assemelham
Mas estamos ali. No mesmo sítio à mesma hora.
Com destinos diferentes, mas um caminho em comum.
Não nos conhecemos e muito provavelmente nunca nos veremos de novo
Mas olhamo-nos fundo de frente...
Falamos pelos olhos.
E seguimos.
Lado a lado, estabelecemos um último contacto.
Olhamos para a frente e esquecemos.

Em Obras

Há uma que renova sem encerrar
Não constrói fortaleza
no lado esquerdo do peito;
Constrói para cima,
faz espaço,
aloja mais
A que desconhece "Lotação Esgotada"
A construtora,
sim, de si mesma
com o pouco que fica dos que marcam presença
Aquela que colecciona recordações
e decora com elas o seu hotel sem retorno
A inesgotável,
Renovadora de almas...

Comboio (Crónicas de 2009)




Há qualquer coisa em apanhar o comboio de manhã de Sintra até Lisboa... Sempre achei isso inspirador (algo me diz que assim que começar a fazer disto rotina a minha opinião mudará subitamente, prinicpalmente devido a fortes odores corporais, mas ignoremos essa parte... cof cof). Nesta manhã quente de Julho observei algo que me despertou o interesse: uma demonstração de humanismo e, em constraste, uma de falta de educação. A primeira, tão rara, foi a de um senhor que imediatamente correu, como que por instinto, em auxílio de uma mulher e as suas duas pequenas filhas, que estavam a ficar entaladas na porta ao sair na estação do Cacém. Este indivíduo lançou-se à porta que ameaçava fechar e magoar as crianças, colocando-se entre ela e puxando-a com uma mão em cada um dos lados, o que permitiu às meninas passar por baixo dos seus braços. Uma cena mesmo estilo ‘Superman’... Já a segunda situação que queria aqui mencionar, tem nada mais nada menos que ver precisamente com a dita cuja mãe das pobres meninas. Então não é que, após tamanho acto como o anteriormente aqui descrito, esta senhora não proferiu um simples ‘obrigada’ ao destemido homem? OK, as portas fecharam e ela já estava fora do comboio, mas... Nem um simples acenar? Nada?! É triste, de facto. É triste observar uma prova viva de que vivemos numa era em que a maioria é ingrata, desprendida e arrogante. A estúpida da mulher (perdooem-me o termo), representa esta mentalidade que substituiu uma conhecida pelos mais antigos.